Se você trabalha com tecnologia há tempo suficiente, já viu esse cadáver antes.
Ele jaz na sala de reuniões, cercado por executivos frustrados e engenheiros exaustos. O nome do falecido? “Projeto GenAI 2024”. A causa da morte? Overdose de Ferramenta, Falência de Propósito.
Como Gerente de Produto focado em IA, já realizei dezenas dessas autópsias. O padrão é assustadoramente consistente. Em 85% dos casos (estatística real do Gartner), o projeto não falhou porque a IA alucinou ou porque o modelo não era sofisticado o suficiente.
Ele falhou porque alguém comprou um martelo de titânio com mira laser e saiu procurando pregos, parafusos ou qualquer coisa que pudesse bater.
O Ciclo Invertido (A Receita do Desastre)
O erro fundamental é a inversão da lógica de valor. Acontece assim:
- Hype: O CEO lê sobre o ChatGPT/Claude/Gemini no LinkedIn.
- Ferramenta: A ordem desce: “Precisamos usar IA Generativa em tudo!”.
- Dados: A equipe corre para jogar qualquer dado que tiver dentro do modelo.
- Dor (Tardia): Só no final, alguém pergunta: “Espera, que problema estamos resolvendo mesmo?”.
O resultado? Chatbots que ninguém usa, geradores de relatórios que alucinam dados críticos e uma conta de nuvem astronômica. Você construiu uma solução brilhante para um problema que não existia.
O Ciclo Correto: O Framework Centrato
Na Centrato, temos tolerância zero para “IA por quilo”. A engenharia de valor exige disciplina. O ciclo inegociável para qualquer projeto de sucesso é:
1. Dor Real (The Pain)
Esqueça a IA. Qual é o gargalo? Onde seu time sangra eficiência?
- Errado: “Quero um chatbot.”
- Certo: “Meu time de suporte gasta 4 horas por dia respondendo às mesmas 5 perguntas sobre status de pedido.”
2. Dados (The Fuel)
Você tem os dados para resolver essa dor? Eles estão limpos? Acessíveis?
- IA não é mágica; é estatística aplicada a dados. Se seus dados são lixo, sua IA será um gerador de lixo muito eloquente.
3. Ferramenta (The Tool)
Só AGORA falamos de tecnologia.
- Talvez você precise de um LLM. Talvez precise de um simples
if/else. Talvez precise de uma planilha de Excel. - O bom PM de IA escolhe a ferramenta mínima necessária para resolver a dor, não a mais cara.
4. Medição (The Value)
Como saberemos se funcionou?
- Defina KPIs de negócio, não de tecnologia. Não meça “acurácia do modelo”; meça “horas economizadas” ou “aumento na conversão”.
Checklist de Sobrevivência
Antes de aprovar o próximo orçamento, faça este diagnóstico rápido:
❌ NOT-TO-DO (Sinais de Perigo)
- O projeto começou com “Olha o que essa ferramenta faz!”
- Não há um dono do problema de negócio (apenas donos técnicos).
- A métrica de sucesso é “lançar a IA” (lançamento não é sucesso, é custo).
- Você está tentando substituir o julgamento humano complexo sem “human-in-the-loop”.
✅ TO-DO (Sinais de Saúde)
- Você consegue descrever o problema em uma frase sem usar a palavra “IA”.
- Você mapeou o fluxo de dados necessário antes de escolher o modelo.
- Existe um KPI financeiro ou operacional claro atrelado ao projeto.
- Você começou pequeno (MVP) para validar a hipótese de valor.
Conclusão
A IA é a tecnologia mais transformadora da nossa geração, mas ela não perdoa a falta de estratégia. Não seja o executivo que construi o telhado antes da fundação.
Comece pela dor. Respeite os dados. E só então, escolha a ferramenta.
Seu orçamento (e sua sanidade) agradecerão.